sexta-feira, 21 de maio de 2010

A madrugada em que o país parou

Vinte e sete de março de 2010, 0h45: a madrugada em que o país parou em frente ao Fórum Regional de Santana, Zona Norte de São Paulo, para ouvir do juiz Maurício Fossen a sentença de condenação de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá.

O homicídio triplamente qualificado praticado pelo casal contra Isabella Nardoni, morta em 29 de março de 2008, quando foi jogada pela janela do sexto andar do Edifício London, prendeu a atenção de toda a mídia e causou comoção pública jamais vista diante de um assassinato. O motivo? Alexandre Nardoni é pai de Isabella, e Anna Carolina Jatobá, a madrasta supostamente ciumenta.

Durante meses, todos os canais, revistas e jornais nacionais e regionais realizaram uma ampla cobertura do caso, acompanhando os depoimentos, as perícias e, finalmente, a prisão do casal Nardoni. Porém, o que mais ganhou espaço nas manchetes e primeiras-capas foram fotos retratando a ex-vida feliz da garotinha “assassinada” e a irremediável dor de Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella, cujo rosto tornou-se tão conhecido e exposto quanto o do presidente Lula.

A cobertura da morte da menina atingiu proporções de um romance policial imperdível, com direito a cenas de drama, suspense e ação que foram acompanhadas fielmente por milhões de brasileiros. Mas, ao contrário do incrível desfecho desta “novela”, a maioria dos casos de homicídios ou tentativa de homicídio entre pais e filhos termina com o réu recebendo uma sentença favorável. A conclusão é de um estudo da antropóloga Daniela Moreno Feriani, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Unicamp. Ela avaliou 34 processos tramitados e julgados em um período de 20 anos - entre 1982 e 2002 - no Fórum de Campinas.

Segundo a pesquisa, divulgada no início deste ano, de 34 processos pesquisados, em 17 o réu teve sentença favorável e em oito houve condenação. Os outros processos foram arquivados por diversos motivos, como falecimento do réu ou desqualificação do crime para lesão corporal. Qual é, então, a novidade para tanto estardalhaço diante do Caso Isabella?

Um peso, duas medidas

Cerca de 200 pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar, estavam aglomeradas em frente ao Fórum de Santana à meia-noite e 45, enquanto o juiz lia a sentença de condenação dos Nardoni. Em seus televisores, milhares de pessoas acompanhavam ao vivo a reação eufórica dos civis quando o resultado do julgamento soou pelos vários alto-falantes instalados nos portões e calçadas do Fórum.

Uma onda de alegria e fúria espalhou-se entre os presentes. Civis bateram palmas, pularam, soltaram fogos de artifício, balançaram-se nas grades de proteção do local. Fotógrafos dispararam simultaneamente seus flashes e repórteres narraram o resultado do julgamento com a entonação de quem narra o glorioso fim de uma partida de futebol.

Porém, emocionante mesmo foi o retorno do casal à penitenciária de Tremembé, no Vale do Paraíba, a 140 quilômetros de São Paulo, onde voltaram a ocupar suas carceragens. As pessoas aguardavam na saída do Fórum. A Polícia Militar temia um linchamento. Só que atirar pedras, tomates e disparar chutes e palavrões contra os veículos fortemente protegidos, onde os assassinos estavam invisíveis, foi o máximo que os civis conseguiram fazer. Tudo isso, é claro, sobre o respaldo de câmeras e microfones.

Mas, ainda pior do que uma sociedade que comemora quando deveria calar-se e cala-se quando deveria protestar, é uma mídia que faz o mesmo. Se antigas teorias dizem que o jornalismo é o espelho da sociedade, talvez elas não estejam tão obsoletas: a imprensa brasileira realmente faz jus à frase.

Se inúmeros casos como o de Isabella acontecem no Brasil, por que não recebem a mesma repercussão e fiscalização da imprensa? Por que, diferentemente de Isabella, as crianças assassinadas não são filhas de advogados? Por que os pais que cometeram homicídio não são proprietários de um apartamento na Zona Norte de São Paulo?

De maneira nenhuma é maléfico que a mídia fiscalize o cumprimento das leis e procedimentos que são de interesse público: mas é maléfico que isso seja feito de acordo com o interesse do público, apenas quando as circunstâncias de um crime rendem boas fotos e entrevistas emocionantes, que garantam um aumento de audiência e vendas de exemplares. Se a imprensa brasileira não trabalhasse com um peso e duas medidas, talvez os 17 dos 34 homicídios entre pais e filhos nos últimos anos não teriam ficado impunes.

**Abri um espaço no blog, que não pretende ser jornalístico, postando este texto produzido em Março para a matéria de "Gêneros Jornalísticos", do curso de Jornalismo do ISCA Faculdades. Não resisti! rs

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Até quando esperar?

"(...) aprendi o perigo de concentrar-se apenas no que não está ali. E se no fim da vida eu compreendesse que passara cada dia esperando um homem que nunca viria? Que dor insuportável seria, entender que eu realmente nunca saboreara as coisas que tinha comido, nem enxergara direito os lugares aonde havia estado, porque só pensava nele, enquanto minha vida estava passando. Mas se afastasse dele meus pensamentos, o que me sobraria de vida? Seria como uma bailarina que treinara desde a infância um espetáculo que jamais apresentaria."
...Memórias de uma Gueixa - Arthur Golden

Há algumas semanas terminei "Memórias de uma Gueixa", o livro mais belo que já li. Através das histórias da sábia Chiyo, posso afirmar que aprendi várias lições, mas a principal delas tem muito a ver com a minha própria história. Na trama, Chiyo é vendida pela família quando criança para uma casa de gueixas em Kioto, onde é maltratada e prejudicada por sua rival, Hatsumono. Com a ajuda de Mameha, a menina consegue se tornar uma gueixa reconhecida.

Em sua jornada até se transformar na famosa Nitta Sayuri, cada obstáculo que a garota enfrenta é superado com o objetivo de reencontrar o Presidente, homem que ela conheceu na infância quando era uma criada e por quem se apaixonou. O que ela nem imagina é que Mameha, sua protetora, foi enviada para ajudá-la pelo próprio Presidente, que sempre a tratou com indiferença.

Vocês podem imaginar, lendo isto, que o livro é mais um desses romances baratos, mas não é. Em primeira pessoa, Sayuri conta cada episódio de sua vida com tamanha profundidade que consegui sentir exatamente o que ela queria dizer. Obviamente a história é fictícia, mas é construída a partir de fatos reais, e mostra muito da cultura japonesa e da vida das gueixas do século XX, com várias passagens chocantes.

Entretanto, o que realmente me chamou atenção foi este ponto da história. Assim como Sayuri, minha vida tem sido construída em cima de uma esperança, e destinada à conseguir algo que pode não passar de uma grande ilusão. "Todo passo que dei em minha vida desde quando era criança, foi dado na esperança de me aproximar de você", disse Sayuri certo dia ao Presidente. Embora eu tenha negado isso à mim mesma por tantas vezes, sei que no fundo cada passo que dou em minha vida também é apenas por uma pessoa.

Ele estava lá, em cada revolta, a cada nova descoberta que fiz, em cada alegria que eu quis compartilhar. Quando fiz minha formatura ele estava lá, estava também quando entrei na faculdade, quando consegui meu primeiro estágio, quando mergulhei em qualquer relacionamento na tentativa de esquecer. Sempre em meus planos e pensamentos.

Tantos anos já se passaram, e o meu medo é que tantos outros se passem, até que em um belo dia eu perceba que minha vida passou e que sonhei todo este sonho sozinha. Corro o risco de não ter um final tão bom quanto o de Sayuri, ou de jogar tudo fora cedo demais. Outros caminhos sem volta se abrem a minha frente, e fico imaginado se não seria melhor pegá-los e mudar completamente o rumo da minha história. Por onde ir? Peço à Deus continuamente que me dê a resposta certa. Enquanto pensava nisso, uma música soou em meus ouvidos:

Yeah, how long must you wait for it?/ Quanto tempo você tem que esperar por isso?
Yeah, how long must you pay for it?/ Quanto tempo você tem que pagar por isso?
Yeah, how long must you wait for it?/ Quanto tempo você tem que esperar por isso?
...Coldplay - In my place